Preview - 1º Capítulo Versão Portuguesa/ 1st Chapter Portuguese Version

Para agrado aos futuros leitores, aqui fica o 1º Capítulo da Versão Portuguesa. As a gift to future reader's, here is the 1st Chapter of the Portuguese Version.

 

Capítulo 1

 

Compromissos

 

Dizem que os ventos quentes do deserto sopram a chegada do verão, na costa de Ambaria, quando o mar está verde e as algas enchem a areia de verde-azeitona.

Dizem muitas coisas, as gentes que se abrigam na soleira da Grande Muralha Exterior, tementes do deserto e da seca que os espreita de sul, pelas dunas vermelhas. Dizem que chegou o verão, que é tempo de colheita e vinho forte, tempo de festa e oração.

Mas, no cimo da Muralha Interior, onde um dos poucos postigos abrem passagem para Solus, a Cidadela-Capital de Ambaria, apoiado tristemente numa ameia de pedra, o jovem Príncipe, esperança do Reino, espreitou o horizonte, enquanto o seu pensamento se perdia no tempo, cabelos de cobre entretidos ao vento, a pele escura e seca ignorando o calor da manhã.

O verão chegava, mas neste momento nada lhe sabia, nada lhe lembrava os dias de brincadeira, pela mão da mãe, Rainha Sura, em que ambos participavam nas festas e tropelias, quando o povo ria e cantava as graças do Reino e Rainha.

Os dedos rasgaram inconscientemente a pedra da ameia e olhos observaram o sulco arenoso deixado. Nada lhe sabia… nem a pedra calcária trazida pelo rio Dário abaixo, trabalho de tantos homens, para criar as Grandes Muralhas. Dantes, partiria as unhas em tão brusca ação. Agora… agora bolas, a pedra mais parecia argamassa seca, à espera da catástrofe que o tempo carrega a todas as obras.

O jovem Príncipe suspirou e questionou a vitalidade com que a mãe abençoava aquela terra. Na primavera, ele lembrou, o seu canto mágico fazia despertar as plantas, trazia a azáfama das abelhas e demais animais, ansiosos por recomeçar o ciclo da vida. Mas a primavera já lá ia... triste e desnuda, filha de um rigoroso inverno. Sem flores, sem frutos… o povo dizia ser tempo de festa, mas que havia para festejar?

Com um novo suspiro, este bem profundo, esmurrou a ameia com a base do punho.

Um riso despertou-o para o dia; uma gargalhada forte e rouca que ele bem conhecia:

- Ui, temos um príncipe em mau dia. Fujam, piratas, arreiem, ladrões, Vallirian, príncipe de Ambaria, o grande vigilante de pequeno tamanho, acordou fora da cama! Ah!

O jovem olhou para o seu guarda-costas, entretido a rir de peito cheio e admirou a diferença de tamanho entre ambos. Ulfric, o volumoso guerreiro que viera do Norte e ficara pelas terras de Ambaria, era um veterano de inúmeras guerras, um gigante de músculos e pelo loiro, o qual fazia questão de ostentar, nos longos cabelos e na farta barba, bem tosquiada e entrançada em dois penachos à moda do seu povo.

- Amuados, pequeno príncipe? - Ulfric sorriu para o jovem protegido, aguardando uma resposta costumeira, em palavras desafiadoras ou resmungos entre dentes.

- Bah! O dia não promete nada de bom e tu vens gozar com o meu tamanho! - orgulhoso da sua altura para um jovem de catorze anos, Vallirian não achava piada a comparações quando feitas pela montanha que Ulfric era. O príncipe sabia que nunca cresceria tanto, por mais que treinasse. Este guerreiro, mais alto que um Troll, era um objetivo impossível e irritante, insistente na sua altura e na pequenez do jovem senhor. Vallirian suspirou, não interessado em dar continuidade ao assunto e ficou a olhar para o guarda-costas com olhar sério.

Ulfric riu, coçou a farta barba, ajeitou a cota de malha nos ombros e ajustou a fivela da correia que sustinha o seu escudo de madeira e bronze por trás do ombro esquerdo.

O príncipe cruzou os braços, continuando a olhar para Ulfric seriamente.

- Então? Não vieste até aqui à muralha para admirar a paisagem, pois não? - achou o jovem que o dia só poderia piorar se não encaminhasse a conversa para algo útil.

- Ah, pois... - Ulfric tossiu, para clarear a voz, consciente de que seria melhor despachar o assunto, que por experiência própria sabia conflituoso - Meu Lorde, para além de ser o seu guarda-costas, nomeado pela Santa Rainha Sura, o que me obriga a... bem... guardar as suas costas de quem lhe queira fazer mal, trago mensagem do Porto Central.

Vallirian torceu o nariz, já sabendo do que se tratava. Notícia nefasta que lhe fora anunciada ontem.

- Chegou o barco. - desabafou com desdém.

- Navio. É um navio, príncipe Val. - corrigiu-o Ulfric. - Barcos são aqueles que os pescadores usam. Navios são grandes, com muitas velas e duas ou mais fileiras de remadores. - o guerreiro Loiro abriu os braços imensos, demonstrando o tamanho de um navio em comparação com o de um barco.

- Sim, um navio. - acentuou o príncipe, amuado - Os de Argo têm duas fileiras de Redori[1], duas grandes velas quadrangulares brancas com a Águia vermelha e um grande esporão de bronze na proa. - com um aceno da mão, Val banalizou a majestosidade da embarcação.

- Bem, o navio de Argo que traz a princesa Calipso e sua comitiva chegou. - completou Ulfric, antes que o jovem senhor insistisse em diminuir mais o evento.

- Calipso! - resmungou o príncipe. - Ulfric, acho que nunca vou aceitar este acordo real entre Ambaria e Argo. Não bastava o meu irmão Egon ter afundado parte da armada num conflito egoísta contra a Cidadela de Argo, tenho eu de apaziguar Deuses e Homens casando-me com uma Argoniana. - Val gesticulou com ambas as mãos, mostrando a sua frustração. - Uma Argoniana, Ulfric! Uma daquelas amazonas que passam o tempo a caçar veados e não sabem sequer polir as próprias botas! Apre! - Vallirian atirou a sua capa de linho azul por trás do ombro esquerdo e avançou para os degraus da muralha, passando por Ulfric com um seco murro no peito coberto com couro e malha de ferro.

O seu gigante guardião seguiu-o com o olhar e um sorriso a rasgar a farta barba loira. Coçou o pescoço na gola de couro suada e acompanhou o passo do seu príncipe, procurando palavras confortantes para a inconveniente situação.

- Podia ser pior… podia ser uma daquelas donzelas de Petra, com as suas pulseiras e colares e setins bordados a ouro…

- E pinturas na cara toda. Agh! - Vallirian riu, imaginando a sua prometida em tal aparato. - Dizem que elas já nascem pintadas e que, quando tomam banho, a água tinge com as cores do arco-íris. - acrescentou o príncipe.

Ambos soltaram gargalhadas, descendo a escadaria da muralha até ao pórtico onde dois soldados da milícia de Solus os saudaram, descruzando lanças e batendo escudos.

Val ainda olhou para trás, para a escadaria e alto da muralha, antes de entrar pela pequena porta de madeira ferrada.

Seguindo o corredor em pedra, dentro da muralha, onde os seus passos ecoavam no vazio fresco e húmido, em breve chegaram à saída que liga à Rua do Comércio, ponto de distribuição e venda de bens, diretamente ligada ao Porto Central, onde todas as embarcações abastecem, na rota comercial marítima do mar Turquesa.

A Rua estava cheia de ambos os lados, com tendas e postos de compra e venda, na sua maioria em madeira e pano. Toldos coloridos tapavam o sol, largando sombras abundantes, onde os transeuntes se abrigavam, admirando produtos e regateando preços.

À entrada da Rua, a Guarda-Pessoal do príncipe mantinha formação, previamente ordenada por Ulfric, antes de entrar na muralha. Ao ver a chegada de Vallirian, o Legato[2] da Guarda correu a recebê-lo.

- Meu Lorde! - gritou o soldado, parando em saudação, com um murro na couraça de bronze; gesto militar habitual de Ambaria. - A sua escolta aguarda comando! - continuou, depois de o príncipe o saudar com a palma direita erguida.

Todos os dez soldados da Guarda-Pessoal de Val trajavam o mesmo uniforme, com togas azul vivo e padrões dourados, couraças de bronze e couro, bem como perneiras e braçadeiras em bronze a condizer; o uniforme hoplímaco dos guerreiros treinados na defesa e proteção. Elmos solares, bem polidos, resplandeciam com multicolores crinas, longas por manto e costas. Escudos ovais em madeira, bronze e couro pintado eram erguidos no braço esquerdo, mostrando o símbolo da Guarda de Solus: o Sol escudado e o horizonte no mar. Na mão direita, a terrível arma a que davam o nome de flaxia: uma larga lâmina de sabre, num comprido cabo de metro e setenta.

Ulfric juntou-se ao Legato da Guarda, dando sinal para a decúria os seguir. Vallirian olhou para eles sorridente, admirando a rígida disciplina com que alinhavam em pares atrás de si.

- Extraordinário como eles nunca discutem quem fica à direita ou à esquerda… - comentou para o gigante do norte.

Ulfric olhou também, já habituado às manobras militares dos soldados de Ambaria, mas não deixou de lembrar o que o seu povo faria naquela situação:

- Na minha terra, ninguém se punha assim em fila. Não senhor. Se era para ir, iam como lhes apetecia. Nem o chefe de clã, nem a mãe dele ordenavam a canalha! - ambos riram brevemente, cortado o ânimo pelo olhar sério do Legato da Guarda.

O príncipe e sua escolta atravessaram a Rua do Comércio, a passo certo, saudados pelos comerciantes e cidadãos. Petizes fugiam às tarefas para um momento divertido, seguindo a escolta armada, quais soldados, procurando paus e tampas de vime ou palha; lanças e escudos improvisados para o seu pequeno porte.

Vallirian não pôde deixar de reparar que, mesmo em tempo escasso, com as travessas de milho e feijão quase vazias, com os poucos legumes amarelados e o peixe pequeno a secar ao sol, o povo ainda procurava ânimo em pequenas coisas: a música tocada por bardos, as virgens do templo de Ifri dançando a primavera, os jogos de ossos e conchas… sentiu-se injusto, sentiu-se egoísta, por perder tempo amuado, quando todos à sua volta se esforçavam por breves momentos de alegria.

Em breve chegaram ao Cais, a extensa área empedrada a calcário dando lugar a grossas traves de madeira envernizada, ciosamente montadas em largos pilares, cortados diretamente dos troncos das grandes Guanás-Vermelhas.

Os passos do príncipe e sua comitiva propagavam o ranger das traves a longa distância, misturado com as vozes dos marinheiros, pescadores e carregadores, atarefados no transporte de mercadorias e manutenção das embarcações.

Vallirian passou por várias docas, onde as embarcações mais pequenas, de pesca e transporte, acostavam, chegando a uma área maior, com docas mais largas, que se estendiam para permitir a entrada dos navios de guerra e grandes cargueiros.

Na terceira doca, o grande navio da princesa de Argo estava acostado, imponente no seu casco vermelho pintado, velas arreadas e remos recolhidos. Cinco marujos atarefavam-se a atracar o navio com grossas espias, um outro, já colocado o palanque para saída de passageiros, correu a avisar o mestre, ao ver a chegada do príncipe e sua Guarda-Pessoal.

Uma cabeça careca e de barbas negras encaracoladas espreitou por cima da balaustrada, arregalando os olhos e gesticulando para dentro ao ver o príncipe parado à entrada da doca, olhar impaciente e mãos à cintura.

Vozes de comando ouviram-se no navio e em breve dois lanceiros de Argo desceram o palanque, formando em baixo, alinhados. Vestiam armaduras de Couro reforçado, bem polidas, com túnicas brancas, bordadas a vermelho, tapando-lhes os braços até à linha das braçadeiras e descendo abaixo dos joelhos, protegidos por perneiras de couro. Escudos redondos em madeira e couro mostravam a Águia vermelha de Argo num círculo amarelo e lanças com ponta de bronze encostavam ao tronco, seguras na mão direita, em sentido.

Negros cabelos ondularam na brisa marítima, fazendo brilhar a tiara de prata que ornamentava a fronte. Calipso avançou para o palanque, colocando a mão direita na balaustrada do navio por um momento, enquanto olhou para baixo, para o seu prometido. Os seus olhos verde-azeitona clareavam ao sol, marcando a face bronzeada com uma seriedade constrangedora, lembrando as estátuas antigas de Deusas Guerreiras, que emergiam por vezes nas redes dos pescadores. Os lábios da princesa tinham o tom rosado natural das mulheres do mar, não a esperada pintura das damas da corte de uma Cidadela rica em comércio de sedas e especiarias.

Duas aias juntaram-se atrás da princesa, seguidas por vários homens bem vestidos, dando ares de comerciantes, embaixadores e conselheiros.

Atrás deles quatro soldados formaram, ficando todos encolhidos, qual molho de cenouras, para evitar empurrar a sua princesa, que mantinha a posição séria no cimo do palanque.

Finalmente, perante o silêncio do momento e da desafiadora pose de Vallirian, ainda de mãos à cintura como quem provoca um boi, Calipso bufou, torcendo o lábio inferior, e avançou no palanque, tentando dar graça aos passos, com toda a comitiva atrás preocupada em regular o andar pelo dela, em constantes tropeções e resmungos.

Apenas os soldados mantinham o porte, não deixando de forçar a marcha com os escudos, empurrados discretamente contra os largos traseiros à sua frente.

Ulfric acotovelou o príncipe, num leve gesto de atenção, piscando-lhe o olho com um sorriso barbudo idiota. Val olhou-o com ar sério, voltando a examinar a princesa, mais o andar altivo e nobre porte.

Vestida com uma leve túnica branca de linho, que lhe tapava o peito num corte em lua, protegia a cintura com um corpete de couro, amarrado com três fivelas. Um cinto largo segurava uma espada curva do seu lado esquerdo, numa bainha vermelha trançada a pano branco, com alguns relevos dourados. A túnica tapava as suas coxas, protegida por tiras de couro reforçado que pendiam do corpete, e terminava pouco mais abaixo, deixando reveladas as pernas grossas e morenas. Ao estilo de Argo, usava também perneiras altas, que tapavam a área do joelho à frente e desciam até ao pé, calçado com sandálias de couro.

No braço esquerdo, Vallirian reparou, Calipso envergava uma braçadeira de couro e bronze que lhe protegia o interior do antebraço e subia até ao cotovelo. Arqueira? Pensou o príncipe, imediatamente procurando a devida arma, que encontrou, carregada por uma das aias, além de uma aljava pejada de flechas. O Arco recurvo, feito de chifre branco, com ornamentações esculpidas junto ao punho, reluzia à luz do Sol, e a aljava, com o seu trançado de linho, combinava com a bainha à cintura. As flechas, das quais Val apenas notava o cabo, eram feitas de madeira clara, talvez de choupo, com penas largas cinzentas, provavelmente de ganso.

Calipso trazia ainda uma capa vermelha por cima dos ombros, segura com dois broches prateados, recolhida na sua mão direita para evitar tropeções às aias.

Os breves momentos pareceram longos e o silêncio era constrangedor. Enquanto a princesa se aproximava, Vallirian soltou um comentário ao seu guarda-costas:

- Não tem mamas.

Ulfric engasgou uma gargalhada, tapando a boca com a mão larga, enquanto Val sorria, ajeitando o manto azul para uma tradicional vénia.

Um dos conselheiros da princesa destacou-se do grupo e parou junto do príncipe, colocando-se de lado para ambos. A princesa, terminando o percurso a três passos do príncipe, gesticulou para o anafado conselheiro, que aguardava ansioso para a anunciar.

-Calipso, Princesa de Argo, filha de Eurigon, General da 1.ª Legião das Amazonas de Prata, Senhora de Carpis e Sacerdotiza-Mor, pela bênção e graça de Apolon! - vociferou o homem, de peito e barriga inchados, parecendo um balão prestes a estoirar.

Vallirian deu um passo em frente, afastando a capa azul para trás das costas com a mão esquerda, curvou o tronco e cabeça numa vénia formal, oferecendo a mão direita à princesa.

O silêncio foi breve e, em vez de uma mão, recebeu a voz fria de Calipso:

- Príncipe Vallirian, presumo?

Val olhou para ela, indeciso em como responder:

- Sim, sou Vallirian Basura, filho de Sura Baharé, Rainha-Santa de Ambaria.

- Não acredito que em tão pouco tempo passámos de uma guerra com o seu irmão Egon para um compromisso de casamento e paz entre as duas Nações. - Calipso estendeu a mão ao príncipe, enquanto continuou o que ao jovem Val pareceu um raspanete fora de cena. - Fique sabendo, príncipe, que este casamento será contra minha vontade!

Uma das aias, uma matrona dos seus sessenta anos, com ar experiente e porte decidido, advertiu a princesa, perante as palavras agressivas dela:

- Senhora! O protocolo!

Calipso, decidida a abandonar cerimónias e honrarias, despejou o saco de frustrações em cima do príncipe, que tudo esperava menos uma abordagem tão direta:

- Não treinei eu desde pequena nas artes da guerra e no serviço a Apolon para ser… entregue, a um rapazola mimado, que nada sabe da gestão de um Reino! Ainda por cima mais novo que eu! - ela olhou-o de alto a baixo, tentando avaliar a sua idade. - Eu já tenho quinze anos! Ganhei todas as competições de arco e flecha em Argo. Isto é uma afronta à minha pessoa e o meu Pai devia ter entregue este casamento a uma das filhas bastardas!

A aia da princesa puxou-lhe o manto bruscamente, com uma repreensão tremida:

- Princesa Calipso! Isso não são modos. E tratar assim as suas meias-irmãs! O que o seu Pai diria!

- Diria o que quisesse, que eu não estou preocupada! - ameaçou a princesa, puxando o manto e cruzando os braços, num olhar desafiador ao príncipe Vallirian. “Desentope agora o protocolo, se puderes, menino da mamã!”, pensou Calipso, divertida.

Vallirian olhou para o seu guarda-costas, indeciso, e Ulfric encolheu os ombros, abrindo um largo sorriso como resposta.

- Bem… - tentou o príncipe. - Eu tenho catorze anos e também tenho irmãos. Formam o que chamamos de Conselho de Irmãos e é deles a gestão da cidade de Solus. O único que saiu para o lado errado foi o meu irmão Egon, que vocês, Argonianos, tiveram a oportunidade de afundar em batalha… - esta parte, achou Val, deveria ter omitido, mas rapidamente tentou tapar com informação mais pertinente. - Mas para os meus catorze anos, eu sou bem alto! Sou mais alto que vós!

Ulfric deu um gemido entre dentes, não acreditando que o seu príncipe respondera com uma frase tão infantil.

Calipso cerrou os lábios, estupefacta com a resposta de Val, mas este não lhe deu o tempo de procurar um contra-ataque verbal, compensando o discurso com palavras mais formais:

- Não acho que deva ofender Vossa Alteza com demais valores à minha pessoa. Este casamento é um acordo entre Nações. É claro que a vontade de ambos não tem peso na decisão, porque o contrário seria a continuação de uma Guerra injustamente provocada pelo meu falecido irmão. Estou aqui para receber a sua presença, convidada a passar o verão na Cidade de Solus e, com o tempo, estabelecer os laços que permitirão a paz entre Ambaria e Argo. - Vallirian proferiu o discurso, da melhor maneira que os seus catorze anos permitiam, tentando lembrar a semana de aulas de protocolo que o seu Tutor, Epimetos, insistira em administrar.

Ulfric olhou-o estupefacto. Era a primeira vez que ouvia tão segura oratória pelo seu protegido.

Calipso ficou surpresa também, preparada para um duelo de palavras e um regresso despachado a Argo, a tempo das festas do vinho novo. Olhou para os conselheiros, que sorriam e acenavam com a cabeça, satisfeitos com a atitude madura do jovem príncipe. A aia mais velha esboçou um sorriso também, colocando a mão no ombro de Calipso, e empurrando-a levemente na direção do príncipe. O verão, pelos vistos, iria passá-lo ali, na cidade de Solus, entre pescadores do Sul… Sentindo o seu destino fugir-lhe das mãos, lembrou que, antes do conflito com o famigerado Egon, sempre desejara conhecer Solus e suas rotas comerciais por terra, e principalmente, a Rainha Sura, que em toda Argo diziam ser imortal.

Um grande alarido surgiu nesse momento, vindo do extremo leste do cais. Ao longe, uma turba aproximava-se, em conflito com os guardas da cidade, que tentavam dar-lhes ordem e afastá-los da área das docas. Cerca de cinco dezenas de velhos pescadores, agricultores e artífices, com suas mulheres e alguns petizes por arrasto, gritavam e gesticulavam contra Argo, apontando dedos e instrumentos de trabalho na direção da princesa e comitiva. Os guardas da cidade tentavam empurrá-los com as lanças cruzadas, mas os ânimos estavam exaltados e a situação instável.

Ulfric rapidamente sinalizou ao Legato da Guarda-Pessoal, que, sem hesitar, ergueu a trompa de corno aos lábios e soprou o alerta. Com o toque profundo a ecoar pelo cais, a turba parou indecisa, olhando em volta e a guarda da cidade olhou para trás, para o seu príncipe, que avançava a passo certo com os seus soldados; lanças em ponta e escudos erguidos.

Passos de corrida surgiam da Rua do Comércio e do extremo Oeste do cais. Em breve, várias patrulhas estariam ali e a situação controlada, mas Val queria saber por que razão tal alvoroço surgia numa cidade que tinha por pacífica e bem regida.

Com a aproximação do príncipe, a turba começou a murmurar o seu nome e o da Rainha-Santa, e na maioria remeteram-se ao silêncio, à exceção de uma mão cheia, demasiado exaltada nas palavras contra Argo.

A guarda, vendo a resposta do povo na presença de Vallirian, recuou um passo e apontou lanças, abrindo ala para que ele dirigisse palavras aos revoltosos.

- Que se passa com vocês, povo de Solus? Porque erguem a voz e punhos contra o vosso Príncipe e contra a Rainha Sura? - Val não esperou resposta, apontando para um dos velhos presentes. - Fala, homem. Diz ao que vens.

O velho pescador engasgou momentaneamente, inseguro se deveria responder ao seu lorde, mas, perante o incentivo dos demais, com empurrões e resmungos, atreveu-se:

- Senhor, meu Príncipe, não queremos Argonianos aqui! Os nossos filhos e netos morreram na armada de Egon, defendendo as cores de Ambaria. É uma ofensa aos mortos! É injusto que eles venham às nossas terras, depois de destruírem o nosso futuro! Não somos seus escravos, não somos vencidos! Os nossos clamam Vingança!

Gritos e novas palavras de raiva cresceram entre a turba:

- Voltem para a vossa terra! - convidaram, com punhos fechados e dedos acusadores.

Vallirian levantou os braços bruscamente, e o povo exaltado calou-se, olhando em volta e para o céu, temeroso de tempestades ou maldições que o filho mais novo da Rainha Sura, da Avatara da Deusa Ifri, da Imortal Feiticeira que trazia Vida à terra mais erma, pudesse lançar sobre eles.

- Durante quantos séculos viveu este povo de Ambaria em paz com os seus vizinhos, pela mão e poder da Rainha Sura? Algum de vocês se lembra de tempos antes de Ambaria, quando Sura trouxe os distantes antepassados dos vossos pais para esta terra? - gritou Vallirian, questionando os revoltosos.

O silêncio foi a resposta, pois nenhum ancião ali presente vivera o tempo da sua mãe Rainha. Val continuou o discurso, decidido a colocar juízo naquele povo:

- Ambaria foi criada na paz e no comércio com as Nações vizinhas. Solus, cidade porto do Mar Turquesa, não é uma Cidade Imperial nem um abrigo de Piratas! Não fomentamos guerras, nem dominamos o Mar, roubando o que é dos outros e queimando os seus barcos e portos!

O povo estava em silêncio, incerto na reação ao discurso do príncipe.

- A Rainha Sura nunca aprovou a pirataria do meu irmão Egon! - atreveu-se Vallirian.

Vozes de reclamação subiram entre os manifestantes, perante o desrespeito ao nome do falecido príncipe Egon, tido por muitos como o futuro escolhido da Deusa Ifri.

Vallirian apontou para a turba e subiu o tom de voz:

- Os vossos filhos e netos foram arrastados numa guerra que nunca devia ter nascido! Sempre houve paz entre Ambaria e Argo. Ambas lutaram contra os piratas Júnicos! Ambas defenderam o Mar Turquesa e as rotas comerciais! Quem foi Egon para quebrar tudo o que a minha mãe criou? - o príncipe olhou para os revoltados que, perante aqueles olhos cor de âmbar, sentiram-se mirrar, como crianças castigadas pelos pais.

- Quem foi Egon? - continuou Val, os olhos agora parecendo duas chamas, prontas a queimar o atrevimento do povo.

O silêncio foi quebrado pela voz de uma mulher; uma idosa vestida de negro luto, que, ganhando coragem e lembrando tudo o que a Rainha Sura lhes dera, gritou:

- Pirata! Egon, o Pirata! Três filhos ele me roubou!

A palavra ecoou entre a turba e subiu de tom, até nascer em novo cognome. “Egon, o Pirata”, gritava o povo, e Vallirian sentiu-se amargo.

Olhou para trás, para a princesa Calipso, que, de braços cruzados, cercada pela sua comitiva e soldados, o observava, esperando o desfecho daquela revolta.

Ulfric caminhava agora para junto do príncipe, seguro de que Calipso estava a salvo de um inesperado ataque, quando tudo se complicou.

Um idoso gemeu e uma criança foi atirada ao chão. Resmungos e cotoveladas surgiram, a turba agitando-se como um barco na rebentação das ondas. Um artífice, ainda com o avental de couro queimado de quem maneja a forja, foi empurrado brutalmente na direção da lança de um dos Guardas da cidade. Por sorte, o soldado ergueu a ponta a tempo e bloqueou o infeliz com o corpo.

De entre o grupo desordenado, saltou um encapuzado alto e esguio, vestido a couro negro e linho cinza, que rapidamente entrou na linha de defesa da Guarda, cravando uma adaga na ilharga do soldado distraído, esse ponto vulnerável que a couraça não cobre, por baixo do braço. Quase no mesmo movimento, atirou a adaga ao seu lado direito, obrigando o outro soldado a erguer o cabo da lança para aparar a arma, que ressaltou ainda assim na couraça de couro, perdendo-se nas traves de madeira do cais.

Vallirian teve um momento de indecisão, não esperando tal situação. Foi tudo o que permitiu ao estranho correr três passos, por baixo de uma lança que o tentou travar, e agarrar o príncipe pela capa, fazendo-o rodar em desequilíbrio.

Todos estacaram, ao ver Vallirian com uma Krisia[3] no pescoço e os seus cabelos cobreados puxados pela mão do estranho. Ulfric praguejou, incapaz de chegar ao seu menino a tempo, furioso por falhar na sua missão de guarda-costas.

Caído o capuz cinza que lhe cobria a face, todos puderam ver o homem que mantinha Val refém e o puxava de encontro às altas paredes de pedra e argamassa; uma cicatriz imensa corria-lhe da testa, pelo olho esquerdo vazado, até aos lábios deformados. A careca tatuada e a pele tão escura e gretada combinavam com o couro que vestia. Ulfric arregalou os olhos e a sua raiva cresceu ainda mais:

- Hémer! Skaferion[4] do “Anquilos”!

Todos ficaram estupefactos. “Anquilos”, o pesado navio de guerra do príncipe Egon, espalhara o caos no mar Turquesa, com as suas cinco fileiras de remadores, a grande vela azul com o dourado do sol e tridentes cruzados, e as terríveis catapultas de Pyrtolos[5].

Hémer riu, num esgar demente, apertando a lâmina torcida contra a garganta de Vallirian:

- Hémer! Hémer, que trouxe glória aos vossos filhos de esterco. Que carregou o poder de Ambaria às portas de Argo! - gritou ele, olhando para a turba em pânico, recuando mais, de encontro à parede na sua retaguarda.

- Devias estar morto, pirata! - desafiou-o Val.

- Sim, devia. Devia ter morrido com o teu irmão, mas os Deuses não o quiseram. Trouxeram-me de volta para te ver manchar o nome de Egon, seu menino pomposo! - respondeu-lhe Hémer, puxando-lhe os cabelos enquanto desabafava. - A tua mãe e toda essa liteira de filhos sem tomates, que viraram as costas ao escolhido de Ifri, terão o fim que merecem! Mas hoje… - o vingativo skaferion do “Anquilos” olhou em volta e ergueu voz, num grito rouco que se espalhou pelo cais de Solus. - Hoje morre este traidor! Vallirian, o cão que rasteja aos pés de Argo! Glória a Egon, o escolhido da Deusa!

Val reagiu rapidamente, lembrando as lições de Ulfric e do mestre de Duelo. No seu cinturão largo de bronze, onde a cabeça de um leão em baixo relevo abria a bocarra e protegia o ventre, o príncipe colocou o polegar esquerdo, encaixando uma pequena garra embutida. O movimento continuou rápido, direito à mão de Hémer que segurava a Krisia. A ponta da garra de bronze enterrou-se na palma da mão e o instante de dor alucinante fê-lo abrir os dedos; um espasmo incontrolável no braço inteiro. A lâmina dupla ressoou no chão de pedra, ressaltando até uma das traves de madeira do cais.

Vallirian rodou, segurando a mão que ainda cravava o seu cabelo cor-de-cobre, torcendo-a de palma para cima, enquanto desembainhava a falcata à sua cintura com a mão esquerda, invertida, ao estilo oriental. A arma assobiou num arco brilhante, rasgando o antebraço de Hémer até ao osso.

Ulfric aproveitou o momento, correndo a pouca distância entre ele e o pirata, enquanto Val se afastava, passando a arma de mão para um estilo de esgrima mais formal.

Hémer gritou de dor, com ambos os braços pendentes e inertes. Cerrou os dentes e tentou arremeter contra o príncipe, mas o gigantesco guarda-costas já estava perto de mais. Uma mão imensa bateu-lhe na face direita; uma chapada violenta que o atirou para trás, contra a parede de pedra de um dos armazéns do cais. O antigo skaferion do “Anquilos” ainda tentou uma guarda, mas a grande bota de Ulfric chocou contra o seu peito, esmagando-lhe o esterno e fazendo-o cuspir sangue.

Lentamente, entre espasmos e riso demente, Hémer escorreu pela parede até ao chão, ainda sob o peso esmagador da bota do guerreiro do norte, que mantinha um ar furioso: sobrancelhas fartas cerradas, lábios apertados num risco rosado entre a barba loira, olhos azuis numa tempestade lacrimejante. Olhava para o homem que lentamente morria sob o seu pé e assim se manteve até presenciar o último suspiro no peito esmagado.

Vallirian embainhou a falcata, olhando para a turba com desconsolo e esta, cabisbaixa de vergonha e medo, ficou-se pelo silêncio. Duas patrulhas irromperam pela Rua do Comércio, fechando a área do cais. Val, farto de palavras, chamou o Legato da Guarda-Pessoal, que correu prontamente à sua presença:

- Legato, disperse o povo. Encaminhe-os às suas casas e trabalho. - ordenou em voz baixa.

O soldado bateu no peito couraçado e preparou-se para despachar a ordem, quando o príncipe lhe agarrou o braço:

- Sem violência.

- Senhor! - respondeu em voz forte o Legato, recuando dois passos antes de se voltar e correr para junto dos seus homens.

Calipso, com toda a comitiva atrás, aproximou-se de Vallirian. Os guardas Argonianos que a protegiam, abriram formação, ficando mais atrás, certos da segurança da sua princesa.

Val olhou para ela, tentando mostrar uma face dura. O vento soprou do mar Turquesa, sacudindo o cobre nos seus cabelos, expondo a face ao sol do meio-dia e os olhos arderam-lhe, num âmbar tão cristalino e intenso que honrou o nome Ambaria.

A princesa sorriu para ele, procurando palavras de conforto:

- Assim se afunda Anquilos e a paz retorna ao mar Turquesa.

- Assim espero, para o bem das duas Nações. - comentou Val, esforçando um sorriso na face preocupada.

O Legato da Guarda-Pessoal de Vallirian aproximou-se, acompanhado por uma idosa curvada numa bengala de madeira negra ressequida:

- Senhor, com a sua permissão, esta mulher pediu para vos falar.

Val olhou para a anciã, reconhecendo uma das Curandeiras do Templo de Ifri. Achou por bem apresentá-la a Calipso:

- Princesa, quero que conheça Belshab, Mestre Alquímica de Solus. Nas mãos dela são criadas as poções que auxiliam a cura dos mais aflitos.

Calipso estendeu bronzeada mão à anciã, que a beijou com um sorriso na boca gretada:

- É um prazer conhecer a Princesa de Argo. Uma linda e jovem menina, cheia de vida. Exatamente o que esta terra precisa! O nosso Príncipe tem muita sorte na noiva escolhida.

A velhota deu uma risada satisfeita, deixando Vallirian e Calipso engasgados. Nenhum estava interessado em explicar a diferença entre o compromisso nupcial e um casamento a sério. Aquela tendência das mulheres do Templo em fomentar casamentos e casos amorosos era demais incómoda para dois jovens adolescentes.

- Obrigado, Mestre Curandeira. - respondeu formalmente Calipso, completando com o seu interesse na Arte da anciã. - Apressar-me-ei a visitar o Templo de Ifri, para assistir ao vosso trabalho. Apolon, o Deus-Sol, é um patrono das artes, das quais a Cura, é uma das mais estimadas em Argo. Eu própria, como Sacerdotisa, exerço a Magia Restauradora, pela bênção do nosso Deus.

- Não me diga! Que feliz coincidência, minha querida! Que alegria será para nós, poder partilhar tão bela Arte com uma jovem tão prometedora! - Belshab estava visivelmente feliz, com a oportunidade de transmitir o seu conhecimento a alguém, agora que o tempo e a idade lhe roubavam a destreza e memória, e o medo de falhar os seus elixires se tornava constante.

Entretanto, a idosa lembrou-se, no meio da euforia de encontrar uma pupila, que o propósito de ali estar era outro:

- Ah, meu querido Príncipe Vallirian! Esquecia o meu propósito. Deixe-me ver… - começou a mexer no largo avental cinza, cheio de bolsos, procurando algo que não sabia onde ter guardado. Val acompanhou-lhe as mãos, curioso, entrando e saindo com ramos de ervas, diminutas caixinhas de madeira e embrulhos em tecido ou pele.

Repentinamente, Belshab parou, abrindo mais os olhos e lembrou-se:

- Claro! Já me lembro, cá está! - afastou a capa de tecido branco sujo que lhe tapava o peito e ombros e, pendurado no pescoço, estava o propósito da sua vinda. Lentamente retirou o colar, passando-o à volta da larga trança de cabelo grisalho e estendeu-o a Vallirian.

Era um colar simples, feito numa tira de couro. Na ponta, um pedaço de madeira retorcido, seco e sem cor servia como único adorno. A idosa agitou a mão estendida, incentivando o príncipe a segurá-lo:

- Este colar pertenceu ao meu filho, Senhor. Sempre lhe trouxe grande sorte e proteção. - o seu olhar, porém, ficou triste e as suas palavras baixaram de tom. - Infelizmente, deixou de o usar quando se achou homem crescido. Egon levou-mo, na guerra contra Argo…

Vallirian ficou sem palavras. De coração apertado, pegou no colar com as duas mãos, acarinhando por momentos a mão seca e mirrada da velha curandeira.

- É muito antigo. Vem das tribos do deserto, dos Kundali, Homens-Serpente. Espero que lhe traga toda a sorte que precisar, meu querido menino! - Belshab sorriu ansiosamente e, com ambas as magras mãos, fechou a mão direita do príncipe no pedaço de madeira.

- Ahm… Obrigado, Belshab. - respondeu-lhe Val, enquanto recebia um beijo da idosa na mão fechada.

A anciã despediu-se de ambos e coxeou pelo cais, acompanhada por um dos Guardas da cidade, na direção da Rua do Comércio.

Vallirian, virou-se para Calipso, indeciso no que dizer.

- É um colar simples e sem alguma beleza. - comentou a princesa. - Mas por vezes, os Deuses deixam a sua bênção nas coisas mais simples. Quem sabe não ser um artefacto antigo de um Deus Serpente? - acrescentou ela, interessada em ver alguma manifestação divina naquele pequeno pedaço de madeira.

Vallirian colocou o colar ao pescoço, enquanto o vento fresco, vindo do mar Turquesa o acariciava, tornando o calor do verão bem mais suportável. Ouviu o chocalhar das águas contra os pilares grossos de madeira, as cigarras ao longe, na sua música serrada, entre o cheiro da erva verde e… gaivotas?

Olhou para o céu aberto, rasgado por farrapos de nuvens brancas e não viu gaivota alguma, nem erva verde existia nos campos secos de Solus. Era verão, não primavera… estranhou, olhando para o colar:

- É um pedaço de madeira. - disse à princesa, tentando distraí-la do colar no seu pescoço.

Ulfric aproximou-se, colocando as mãos enormes nos ombros de Vallirian e lembrou-lhes o momento:

- O sol está no auge. Vamos almoçar, Príncipe?

Val olhou para a princesa e tentou umas palavras formais:

- Foi preparado um banquete no Palácio em sua Honra, Senhora Calipso. Posso guiá-la?

- Trata-me por Calipso apenas, Príncipe. E sem essas formalidade. Detesto formalidades. - desabafou a princesa.

Val acenou com a cabeça, corrigindo:

- Se me tratar por Val, e me deixar ser seu amigo, eu posso fazê-lo de bom grado.

- Val. Seja. Tu serás Val e eu serei Cali. Amizade parece-me bem. - concluiu Calipso.

Vallirian riu, e pegou na mão esquerda da princesa, puxando-a na direção Norte do cais:

- Vamos então, Cali! Não se deixa à espera uma mesa farta das melhores comidas que Solus tem para oferecer!

A brusquidão do gesto e as palavras diretas deixaram-na sem fala. Olhou indecisa para a aia de leite, que lhe piscou o olho e agitou os dedos grossos num gesto incentivador, enquanto os conselheiros, de mãos cruzadas sobre as largas barrigas, sorriam como tolos, cabeça pendida e suspiros de satisfação.

Caminharam todos pelo cais, direitos à Rua Branca, a larga avenida ladeada de Tamareiras, calcetada a calcário, que passava pelo imponente Templo de Ifri e que terminava no grande Palácio de Solus, onde a Rainha Sura os esperava.

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[1]Redori: Soldados treinados no arremesso da lança e do dardo flamejante em batalhas navais, que a Cidadela de Argo também usava como remadores nos seus navios de guerra.

[2]Legato: Nas forças militares de Ambaria, trata-se de um posto equivalente a Capitão.

[3]Krisia: Arma semelhante a uma adaga, mas com duas lâminas paralelas curvadas. Usada tanto para desferir punhaladas difíceis de sarar, como mão esquerda em duelo, para prender lâminas e quebrá‑las se possível.

[4]Skaferion: Nome dado por Ambarianos aos líderes de uma frota, correspondente ao número de guerreiros, tripulação e navios de guerra. O número que constitui uma frota é variável.

[5]Pyrtolos: Bolas de cerâmica ocas que eram cheias com um composto alquímico inflamável capaz de arder mesmo dentro de água. O arremesso de pyrtolos podia ser complementado com flechas flamejantes, que após o impacto incendiavam o composto, ou com o uso de rastilhos próprios.

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